Acordei cedo e fui até o laboratório resolver uma pendência de um exame. Fui caminhando depressa, estava em cima da hora. De lá fui correndo dar aula. Dei uma boa aula, com participação dos alunos. Fiquei feliz. Eu precisava daquela pequena felicidade simples para o passo seguinte. De lá,fui a pé para casa, peguei meu carro e fui para o hospital veterinário. Eu sabia que hoje seria o dia de avisar da minha decisão. Mas eu queria ver a Nikky e ficar com ela, sentí-la, bem de perto.
Já chorei muito e não quero mais derramar lágrimas, minhas ou suas. Não tenho palavras pra definir a dor, mas eu sei contar de onde veio a minha certeza e minha decisão: das palavras da minha filha.
Ontem, quando eu disse a ela que Nikky estava piorando muito, que a cinomose já estava comprometendo todo o sistema neurológico e motor da nossa cachorrinha, ela chorou, ficou revoltada e repetia ‘não é justo’. Para ela, não é justo que uma cachorra pequenininha com toda a condição de ser feliz, com tanto amor, tenha pegado uma doença tão terrível que não deixa opção de vida pra ela. Não é justo, mas acontece. E contra essas fatalidades não se pode fazer nada.
Mas há outras coisas justas que podemos fazer e foi isso que me fez autorizar a eutanásia, o sacrifício, a anestesia que vai levar a nossa Nikky pro céu dos cachorrinhos. Eu fui vê-la depois da aula. Quando cheguei, ela estava deitadinha contra um travesseiro, coberta com uma fralda rosa de flanela, respirando com muita dificuldade. A doença abre caminho pra muitos outros problemas, como a pneumonia. Nikky está fraquinha, não come, não fica em pé. Está com as pupilas dilatadas e em estado permanente de confusão mental. Hoje, me disse a enfermeira, ela deve estar sentindo dor. Alterna momentos de apatia com momentos de agressividade, típicos da doença. Tentou arrancar o acesso. Ela não aguenta mais o soro.
Fiquei uma hora fazendo carinho e conversando com ela. Sentindo seu pulmão respirando com dificuldade. E disse a ela que eu faria tudo por ela. E por esse amor, faria também o último ato, o mais difícil, eu iria acabar com esse sofrimento todo. Os veterinários sabem que não há solução, mas não podem fazer nada. A doença é lenta e antes de ser fatal, é devastadora. Só uma pessoa pode aliviar esse sofrimento inútil e essa pessoa sou eu, a pessoa que mais ama a Nikkyzinha nesse mundo.
Tentei pegá-la no colo, mas ela está tão dolorida que só quer deitar. Ela olhou pra mim, meio tonta, nem sei se me reconheceu. Me empurrou o peito com as patinhas, querendo voltar pra cama. Acomodei-a com todo cuidado, cobri-a para ficar quentinha, coloquei-a pra dormir.
Liguei pro meu marido, pra Dra. Janaína Reis e voltei para agradecer Nikky por tudo. Disse a ela que ela não imagina o amor que ela recolheu em sua breve vidinha. Os leitores do blog que falaram de seus animais queridos, os que relembraram os bichihos que já se foram, os que desejaram a ela o melhor. Beijei a cabecinha dela e jurei que jamais vou esquecê-la. E que vou abreviar essa dor sem sentido.
Pedi para o Dr. Daniel, neurologista, que vai chegar às 7 da noite, para quel ele faça uma última avaliação dela. E, se ele mais uma vez confirmar o que já sabemos, que ele faça com que ela descanse em paz.
É preciso ter coragem, fé, certeza e sobretudo, compaixão, para alivar o sofrimento de quem se ama.
Eu fiz essa opção, como meu último gesto de amor a Nikky.
E para quem pensa que o milagre não aconteceu, aviso que ele aconteceu sim.
O milagre é o amor que a gente sente.
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