Não gosto do termo ‘tadinha’. Por vários motivos. Primeiro porque é uma das palavras mais cínicas quando usada dessa forma e eu nunca curti cinismo. Sou mais da ironia phyna. Segundo porque a palavra original, coitada, vem esticada e picada: de coitada->coitadinha e depois de coitadinha=>tadinha. Tadinha da palavrinha. Some-se a isso a intenção de achar que o outro é coitado, ou seja, você que está falando é “muito bonzinho e superiorzinho”. Não gosto. Implicância pura minha mesmo. Me deixa.
Exatamente por isso escolhi o termo ‘tadinha’ pra falar da TV Brasileira, porque mesmo não gostando acho que o cinismo cai bem aqui. A TV Brasileira, que sempre foi a toda-poderosa, com essa figura feminina de deusa da beleza, cultuada no altar da sala de casa, como se o aparelho de TV fosse um pequeno templo, descobriu que está sendo traída.
Casada durante muitas décadas com o marido passivo, o Telespectador, Madame Televisão tinha certeza de que o mínimo que deveriam dar a ela, a Diva Mór, era fidelidade. Funcionou durante um bom tempo. O Telespectador ficava ali, babando diante da TV, amando-a incondicionalmente, prestando atenção em cada imagem, aplaudindo cada som, dedicando a ela os melhores anos de sua vida de lazer doméstico. Ele ficava ali, preso no sofá, na poltrona, adorando sua Musa.
Aí aparece a Internet. Novinha, , toda solta e comunicativa, cheia de novidades. Divertida, chamando pro relacionamento social e com uma disponibilidade incrível. A jovem Internet não apenas topa tudo, interage, permite que você faça altos downloadas e uploads, navegação e comunicação, como também vai a qualquer lugar com você. Não prende o usuário. Ao contrário, vai no bolso, na mão, na telinha ou no telão.
E o Telespectador, que continua casado com a tela sagrada da TV, começou a ter um caso de amor com a Internet, jogando-se em todas as telas com ela, a qualquer hora do dia.
O Telespectador que julgava-se inútil, um nada diante da esposa, revigorou-se, descobriu seu poder. Renovou seus votos com a mídia e a expressão e agora pode cantar com prazer, coisas como “Sou Foda”, para a noooooosssa alegria.
A TV, que sempre contou com a atenção exclusiva do Telespectador, ficou puta da vida. Queria romper, mas o casamento é em comunhão total de bens. A TV precisa do telespectador pra continuar vivendo. Sem ela ela acaba, morre, sucumbe.
E assim, a TV Brasileira, essa senhouuuuura de tailleur que sorri pra lente, sempre maquiada e bem iluminada, Caridosa e Benemerente, resolveu discutir a relação com o Telespectador. Mesmo desprezando a amante, que lhe parece ‘liberal’ demais, burra, sem ordem e desmiolada, contratou um detetive para seguir os memes e virais da rede.
Hoje, a TV mantém um casamento de aparência com o Telespectador, com Bom dia fingido e gemidos sonorizados, sexo puritano e fala controlada. Trata o Telespectador um pouco melhor, tentando seduzí-lo com promoções, temas ‘picantes’, pauta bizarras e até alguns ‘videozinhos da Internet’, só pra dizer que está por dentro do que acontece ‘lá fora’.
Mas a TV, que reinava soberana, agora á pauta da galera. Piada do Facebook. Hashtag do Twitter. Brincadeira do YouTube. Nós, o povo, somos assim. Zombeteiros, falamos mesmo pelas costas, mesmo que a tela seja plana e fina.
Sim, claro, claro. A TV continua sendo poderosa, dominadora e tem muitos méritos, como não. Ajuda muita gente, presta alguns serviços e, mesmo não sendo muito culta é muito bem-informada. Mas é como uma madame decadente. Que não tem dinheiro pra pagar a conta da luz da verdade, mas continua morando na mansão das aparências.
Tadinha da Televisão Brasileira.
Vai ter que descer do salto alto do Olimpo e rebolar com a moçada de rasteirinha.
Tadinha da Televisão.
Tantos anos fingindo que amava o Telespectador só pra vender sabão.
Agora vai sambar na nossa mão.
Você precisa fazer login para comentar.