Eu sempre ouvia no rádio que todo mundo precisa fazer a inspeção veicular. Meu marido já tinha feito no carro dele. Faltava a pessoa aqui.
Sou uma dessas pessoas que entram em pânico quando precisam lidar com a burocracia. Eu me contorço, choro, esperneio e, no final, como não tenho quem faça as tarefas por mim, acabo fazendo. Em geral a dor de fazer é menor do que o pavor da pressão.
Além dessa ojeriza natural a tudo o que pertence ao universo da ‘papelada’ e das obrigações legais, tenho um agravante. Meu pai fazia essas coisas do mundo automotivo para mim. Era a forma que ele tinha de compensar meu erro primário, o de não ter nascido menino. Se estivesse vivo, meu pai teria agendado a inspeção e me acompanhado até lá. Ou, talvez, teria marcado no mesmo dia que eu para irmos juntos com nossos carros.
Entrei no site e agendei a inspeção pra depois da semana de férias. Depois do aniversário. Porém, como diz meu amigo Beto Feres, um dia o dia chega. Por isso, se você não quiser fazer uma coisa, não marque. Ou, se a coisa for compulsório, marque logo para livrar-se do compromisso. Marcar para muito depois não adianta nada, só adia o sofrimento. Porque um dia, o dia chega mesmo.
O dia chegou. Ontem à noite eu já estava toda agitada, planejando a manhã.
Minha casa está em reforma e eu preciso sempre me localizar, pra saber se o sapata está dentro ou fora do galão de tinta, se as chaves do carro estão embaixo ou em cima dos jornais forrando o chão da sala. Felizmente, encontrei tudo o que precisava, junto com os ossos dos cachorros. Hoje, por exemplo, só para dar uma ideia, estão aqui em casa:
.Meu marido (1), eu (2), meu filho (3), milha filha (4), Ronaldo (consertando a rede, 5), Marcos (o encanador, 6), Meire (minha empregada, 7), Gabi (a filha dela 8), Michelle (a irmã a Meire, 9), dois pintores (10 e 11). Otto e Lilly, cachorros, mas contam como seres vivos, portanto, 12 e 13. É muita perna, muita pata, muita movimentação. E, claro, teremos ainda hoje mais 5 ou 6 pessoas das prateleiras e o arquiteto. Acho que, com um pouco de sorte, chegaremos a 20 pessoas no apartamento. Se o povo da prateleira falhar, o volume será garantido pelas amigas da minha filha que virão em casa mais tarde, para dormir. Sempre tem um lugarzinho a mais embaixo dos escombros.
Depois de me preparar, marquei o despertador. Acordei. Fui tomar banho, tomar café, me arrumar e, às 8 e pouco e estava pronta para ir. Procurei o endereço no Google Maps, mentalizei o caminho e coloquei-o no GPS só pra conferir se o aparelho sabia onde eu deveria ir.
Seguindo as placas e vencendo o trãnsito, cheguei na Controlar da Barra Funda. Achei muito legal a moça da primeira guarita já estar me esperando. Claro, pela placa do carro. Escolhi a fila errada e fiquei parada vendo os outros carros serem atendidos.
Desci, fui para a área de espera e fiquei conversando com um rapaz. Estavamos indignados, ambos. No terreno ao lado alguém estava queimando borracha e alguma coisa tóxica. O cheiro era insuportável. Veja a situação. Os carros são inspecianos para não poluirem e os motoristas morrem asfixiados com a fumaça do vizinho. Faz todo sentido do mundo, não?
Ficamos ali num papinho cidadão. Por que não fazem inspeção primeiro em todos os carros oficiais, municipais e estaduais? Por que não começam pelo ônibus? Ou caminhões? Por que começam pelo contribuinte que paga tudo e tem carro quase novo, que não polui nada? Por que temos que pagar por isso? Enquanto tossíamos e cobríamos os respectivos narizes (importante ressaltar o ‘respectivos’ aqui, né?) aguardávamos a rápida inspeção. Passei. Meu carro passou.
Agora sou a feliz proprietária de um carro tem certificado de não poluente e já posso cheirar a fumaça alheia. Se eu morrer envenenada vou mandar escrever na minha lápíde:
– É, mas a culpa não é minha!
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